Veja o trailer: http://www.youtube.com/watch?v=_O754EYVBhE
Quando John Byrne criou o Quarteto Fantástico, ele criou algo que ia além dos super-heróis: ele criou uma série de quadrinhos sci-fi como a Marvel nunca tinha concebido antes. E mais: criou uma série que encadeava todos os acontecimentos com consequências reais para o mundo e seus personagens, de uma forma tão sequencial e tão plausível que contrastavam com as demais séries. Com isso, a carga dramática aumentava e todo conflito era uma possibilidade de caos naquele universo; sendo assim, os personagens foram desenvolvidos de uma maneira nunca antes vista. Observamos em muitos momentos os personagens que simplesmente não querem conflito, e que valorizam a vida acima de qualquer confronto. Galactus que o diga.
Infelizmente esse ainda não foi o quarteto que conseguimos assistir nos cinemas. Mas ainda é um tipo de sci-fi que encontramos, não apenas na clássica era de Spielberg – “Destino Especial” (Midnight Special, 2016), que chegou ao Brasil no mês passado, cumpre bem essa função de aplicar a devida carga emocional dos personagens em uma história de fantasia altamente implausível. Não é à toa que alguns críticos taxaram o filme de “excessivamente inspirado em E.T.”, o que não é um crime e já foi, de certa forma, trabalhado também em outros filmes hoje esquecidos como Energia Pura (Powder, 1995), filmaço do Victor Salva com o “mosca” Jeff Goldblum. Devemos lembrar que o drama na ficção científica não foi criado por Spielberg tanto quanto por John Byrne, e, antes mesmo, formatou-se na própria literatura do gênero – não são raros os contos extremamente tocantes escritos por Isaac Asimov, um de seus representantes mais prolíficos.
Em “Destino Especial” (Que chegou ao país disponível, por enquanto, apenas digitalmente via Looke, CineSKY, iTunes Store, Google Play, PlayStation Store, XBOX Store, entre outros) O diretor Jeff Nichols realiza o que consegue muito bem em seus filmes anteriores “Amor bandido” (Mud, 2012) e “O Abrigo” (Take Shelter, 2011) – ambos disponíveis no Netflix -, principalmente no que tange a tirar o suco da laranja, ou a atuação dos atores. E nesta história de um pai que foge das forças nacionais do governo, do FBI e de uma seita religiosa, todos interessados em seu filho que aparentemente possui poderes mutantes, atuação é o mínimo pra coisa funcionar. E, assim, Michael Shannon brilha mais uma vez, em uma atuação minimalista de um homem com poucas palavras e muita perseverança; Joel Edgerton como um coadjuvante que aparece pouco mas o bastante, brilha também; e até Kirsten Dunst, que não é dada a grandes momentos, consegue demonstrar mais sentimento que o comum. Adam Driver, como um representante das forças de defesa nacional, está bem melhor do que conseguiram aproveitá-lo em “Star Wars – O Despertar da Força”. E aproveitamento é a palavra certa: A arte de Nichols é saber aproveitar muito bem o que tem em mãos.
Com um dinheiro relativamente pequeno para a produção, ele consegue realizar algumas sequências de ação pontuais mais significativas, como aquelas em “Onde os Fracos Não Tem Vez” dos irmãos Coen. O filme passa por longos momentos de respiro, e retoma em um baque, sob a câmera de poderosas lentes Panavision. O resultado é uma beleza em 35mm que, no entanto, passa na trave por sua longa duração e por deixar os espectadores sem muitas informações além da própria ligação entre os personagens e o carisma de sua direção, que nos fazem assisti-lo. Uma história de fé e família (um pai, um filho, uma mãe e um quase tio); um road movie do quarteto fantástico; um misterioso filme de conspiração que envolve governo e extraterrestres; a história de um profeta ou salvador, perseguido por ignorantes. Mais do que isso, uma batida equilibrada com toques de drama, ação e ficção científica, num remix à moda das produções asiáticas – o que funcionou o bastante para garantir a entrada na lista de concorrentes ao Urso de Ouro no Festival de Berlim 2016.
O filme tem momentos de brilho e derrapadas consideráveis, mas consegue se sobressair do esquema pouco criativo de refilmagens e sequências de grandes franquias, trazendo um ar novo para as produções americanas e a possibilidade de ver Nichols trabalhando no grande circuito, o que por si já vale conferir. No mínimo, se tornará um daqueles filmes memoráveis, como muitos que mantemos na lembrança e que não são, necessariamente, dos melhores. “O Abrigo” continua sendo o melhor tiro do diretor no universo da ficção – sessão obrigatória no Netflix, pra quem possui uma conta lá – mas “Destino Especial”, embora seja um diamante bruto, vale cada centavo do aluguel, e se torna mais um filme no currículo do diretor a flertar direta e/ou indiretamente com o cinema de ficção e fantasia tão caro aos fãs do horror.
Saul Mendez para o Gore Bahia, 20/09/2016
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